[FP] Lila Pleasance Liddell

Sonhos. Os sonhos são a minha vida, eles me alimentam quando a sede voraz de me livrar de tudo o que não é real se apresenta. Eu sei que nada aqui é real. Todas as coisas que existem no mundo são um disfarce para que não possamos ver a maravilhosa realidade que ele apresenta. Eu não gosto da luz, ela incomoda meus olhos. E também, me faz perceber o quão insignificante é isso. Mas eu gosto de sonhos, sim. Com eles, posso ter meu próprio universo - e é aonde passo a maior parte do meu tempo. Também gosto da lua, das estrelas e de gatos. As bonecas me assustam, elas são como nós: seres que foram tirados da sua vidinha infeliz e trazidos para um lugar desconhecido. E eu sei, que assim como eu, elas vão se vingar quando puderem. Vento. Eu também gosto do vento, ele me ajuda a voar para longe.

O que falar da minha aparência? Não sei. Não tenho nem certeza se sou mesmo isso que vejo quando me olho no espelho: uma menina frágil no ápice da sua adolescência, a qual tem os grandes e verdes olhos cobertos pelo manto escuro que são seus cabelos. Minha pele às vezes brilha quando estou muito exposta a luz. É por isso que não gosto da luz.

Saibam que eu não costumo revelar minha história para qualquer um. Eles costumam me achar louca.

- Infância. A palavra que deteriora minha mente. -

Eu morava com meus pais, digo, talvez devesse morar. Nós vivíamos na mesma casa, mas nunca estávamos juntos. Minha mãe trabalhava 18 horas por dia e eu só a via de madrugada, nas noites de insônia. Meu pai nunca cuidou de mim, nós nos mantínhamos a uma distância considerável e acho que desde que aprendi a me tratar sozinha, ele nunca reparou na minha existência. Minhas únicas companhias eram eles 3. Nunca tinha problema de encontrá-los, a qualquer hora e qualquer lugar. Cresci assim, na companhia das 3 únicas pessoas que existiam para mim. Vou falar um pouco deles: tinha a Brisa, e eu sempre a confundia comigo mesma. Ela dizia que realmente éramos a mesma pessoa, mas cada uma de um lado do universo. A primeira vez que a vi foi debaixo da cama, quando fui procurar algum objeto perdido. Ela me disse que estava com medo do mundo e eu a entendi perfeitamente. A partir daí, começamos sempre a nos falar, e isso me deixava feliz. Em uma das noites em que vi minha mãe, disse a ela sobre a garota que morava debaixo da nossa cama, mas ela falou que eu tinha que descansar e esses devaneios passariam.

Então temos o Alex. Um dia eu estava procurando a Brisa mas não a encontrava em lugar nenhum, então ouvi os risinhos vindos do quintal e corri até lá. Encontrei-a brincando de ciranda com um menino extremamente loiro, ela me disse que era se amigo. Alguns dias depois, Alex também trouxe sua irmã, Alícia, para brincar conosco.Ela era sua versão feminina.

E por anos foram assim, até o dia em que as enxaquecas começaram. E que inferno de enxaquecas. Já fazia dois dias que eu não via a Brisa, e isso me deixou muito mal. Minha cabeça latejava e eu gritava desesperada. Procurei por alguma aspirina na caixa de primeiros socorros e assim que ingeri o remédio, caí em um sono profundo. Quando acordei, estava em um lugar diferente, tudo nele era perfeito. Até mesmo a luz. Ela não me queimava lá. Percorri todos os arredores, mas não parecia haver mais ninguém e então, eu sorri. Finalmente tinha encontrado meu mundo! Todos os dias, eu fazia a pequena vagem até meu universo paralelo. E foi enquanto eu fazia uma coroa de flores lá que eu entendi o que tinha acontecido. A Brisa e os outros, eles estavam no meu mundo agora. Ela queria que eu aproveitasse um pouquinho da perfeição que tinha no mundo dela, mas eu nunca mais ia ir embora daqui. Isso era meu, só meu. Infinitamente.

Eu fechei os meus olhos e aproveitei toda a sensação. Passava horas sem me mexer, fazendo sempre o que eu queria do meu jeito. E os anos se seguiram assim. Minha mãe perdeu o emprego quando eu tinha 16 anos, mas não me lembro de ter visto ela até pouco tempo.

Eu estava andando pelo parque, e ouvi um grito. Brisa. Ela tinha voltado... mas algo estava errado. Ela gritava por mim e eu tinha que ajudar ela, seria uma forma de agradecer por tudo isso. Corri até meus pulmões dizerem chega e então eu a vi, pendurada por somente uma mão no topo da montanha russa. Eu estava lá em cima, segura. Ajoelhei e segurei seus frágeis dedos. Era como olhar para um lago cristalino e ver minha figura refletida. Tentei puxá-la, mas não tinha forças e como era de se esperar, em escorreguei e comecei a cair também.

Senti um puxão e fui levada para cima. Minha mãe me segurava com os olhos cheios de lágrimas, mas Brisa ainda estava caindo e eu tinha que ir até la. Tentei me livrar, mas suas mãos eram fortes. Ela disse que eu estava me jogando da janela e que não tinha Brisa nenhuma, mas como era possível isso ser verdade, a brisa estava gritando. Então eu ouvi um baque e meus olhos começaram a lacrimejar. Ela se fora. Impulsionei o corpo para a frente, queria descer aquela montanha e ir de novo buscá-la.  Mas meu corpo cedeu e quando eu acordei, estava a caminho daqui. Não sei porque.